Os fenícios, conhecidos por sua escrita alfabética e domínio comercial no Mediterrâneo, sempre foram associados às cidades-estado do Levante, onde hoje está o Líbano. No entanto, um estudo revolucionário de DNA antigo, publicado em abril de 2025, desafia essa visão. A análise de cerca de 200 genomas de sítios arqueológicos fenícios e púnicos revela que os púnicos, habitantes de colônias como Cartago, não compartilhavam ancestralidade com os fenícios do Levante, mas sim com populações da Grécia e da Sicília. Este artigo explora essas descobertas, o impacto cultural dos fenícios e o que elas significam para a história mediterrânea.
O Que o DNA Antigo Revela Sobre os Fenícios?
Liderado por Harald Ringbauer, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, o estudo examinou restos humanos de 14 sítios arqueológicos no Levante, Norte da África, Espanha e ilhas mediterrâneas como Sicília, Sardenha e Ibiza.
A expectativa era encontrar uma forte conexão genética entre os púnicos – os fenícios das colônias ocidentais – e seus supostos antepassados no Levante, como os cananeus. Surpreendentemente, os púnicos mostraram pouca ou nenhuma ancestralidade levantina. Em vez disso, seus genomas se alinhavam mais com os de povos antigos da Grécia e da Sicília, com influências norte-africanas aparecendo após 500 a.C., especialmente em Cartago.
Essas descobertas sugerem que a cultura fenícia não foi disseminada por grandes migrações de colonos do Levante, mas por assimilação cultural. Os fenícios estabeleceram colônias e postos comerciais, integrando-se com populações locais que adotaram sua língua, religião e práticas comerciais. Como disse Pierre Zalloua, geneticista da Universidade Khalifa, “os fenícios eram uma cultura de integração e assimilação”, funcionando quase como uma “franquia” cultural adotada por diversos povos.
Quem Eram os Fenícios e Púnicos?
Os fenícios surgiram por volta de 1500 a.C. na região costeira do atual Líbano, com cidades como Tiro, Sidon e Biblos. Mestres da navegação, eles criaram o primeiro alfabeto, base para os sistemas de escrita gregos e latinos, e estabeleceram uma rede comercial que se estendia da Península Ibérica ao Chipre. Suas colônias, como Cartago, na atual Tunísia, tornaram-se centros de poder, especialmente após a queda das cidades-estado levantinas para persas e gregos. Os púnicos, termo usado para os fenícios ocidentais, desenvolveram uma identidade cultural distinta, mas mantiveram traços fenícios, como a língua e práticas religiosas.
O estudo revela que Cartago, por exemplo, era um caldeirão multicultural. Seus habitantes tinham ancestralidades variadas, incluindo norte-africana, egea e siciliana, refletindo a intensa mobilidade humana facilitada pelo comércio marítimo. Um caso notável foi a descoberta de dois primos de segundo grau, um enterrado no Norte da África e outro na Sicília, evidenciando conexões familiares que cruzavam o Mediterrâneo.
Por Que a Cultura Fenícia se Espalhou sem DNA?
A ausência de ancestralidade levantina nos púnicos levanta uma questão fascinante: como uma cultura tão influente se espalhou sem uma migração significativa de seu povo original? Os pesquisadores sugerem que o “estrada marítima do Mediterrâneo” – a vasta rede de rotas comerciais fenícias – promoveu a troca de ideias, bens e pessoas. Locais como Sardenha e Ibiza, apesar de culturalmente fenícias, tinham populações geneticamente mais próximas dos habitantes pré-existentes da região, que adotaram a cultura fenícia por meio de casamentos mistos, comércio e influência cultural.

Impactos na História e na Arqueologia
Essas descobertas desafiam narrativas históricas tradicionais, muitas vezes baseadas em relatos de autores gregos e romanos, como Heródoto e Lívio, que viam os fenícios e púnicos como colonizadores diretos do Levante. O estudo sugere que a expansão fenícia foi menos sobre conquista e mais sobre integração, com populações locais adotando elementos fenícios sem substituição demográfica. Isso reformula Cartago como uma metrópole multicultural, onde diferentes grupos coexistiam sob uma identidade púnica unificada.
Para arqueólogos, o estudo abre novas questões. Por que povos tão diversos adotaram a cultura fenícia? Ringbauer compara isso a uma “franquia cultural”, onde práticas fenícias, como o alfabeto e rituais religiosos, eram tão atraentes que foram amplamente absorvidas. Futuras escavações e análises de DNA podem esclarecer como essas trocas culturais ocorreram em escalas locais.
Lições do Legado Fenício
O estudo de DNA antigo não apenas reescreve a história dos fenícios, mas também destaca a natureza cosmopolita do Mediterrâneo antigo. A falta de uma “linhagem fenícia” pura mostra que a força dessa civilização estava em sua capacidade de unir povos diversos por meio do comércio e da cultura, não da dominação genética. Essa visão ressoa com o mundo moderno, onde a globalização promove trocas culturais sem necessariamente alterar a composição genética das populações.
Os fenícios nos lembram que identidades culturais podem transcender origens biológicas. Sua influência, do alfabeto à arte de navegar, moldou o mundo ocidental, mesmo que seu DNA não tenha viajado tão longe quanto seus navios. À medida que novos estudos genéticos avançam, o legado fenício continua a surpreender, revelando um Mediterrâneo antigo mais interconectado e diverso do que imaginávamos.